ARTIGO: Impostos e mercados ilegais

16 de junho, 2016 Comunicação PBPD Permalink

Samy Abud Yoshima*

 

No estudo publicado recentemente pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, Impacto econômico da legalização da Cannabis no Brasil, estima-se o tamanho do mercado de Cannabis no Brasil e a receita fiscal numa eventual regulação do mercado recreativo de Cannabis. No texto anterior, mostramos que os resultados apresentados sobre o tamanho do mercado estavam demasiadamente subestimados, assim como, os dados sobre arrecadação esperada no caso de a tributação do cigarro ser aplicada à regulação do mercado de Cannabis no Brasil, conforme observamos na tabela a seguir:

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Assim como no caso dos cigarros, a tributação da Cannabis tem por principal objetivo minimizar os riscos do consumo abusivo e danoso à saúde e vida social do usuário problemático, alterando o locus de equilíbrio entre oferta e demanda. Ademais, a escolha da tributação é importante uma vez que a majoração dos preços finais ao consumidor representa uma variável importante no controle do governo para minimizar a presença do mercado ilegal. A presença de restrições de propaganda, de consumo e dos impostos que encarecem o preço final do produto incentivam alguns consumidores a buscar produtos ilegais, mais baratos e mais perigosos à saúde pois, além da evasão fiscal, também não obedecem aos padrões de produção e qualidade determinados por lei. Os consumidores com maiores restrições orçamentárias são, em geral, os que mais sofrem com as imposições fiscais. O governo é o monopolista dos impostos. A elasticidade da demanda é a variável importante para o monopolista definir o preço ótimo da taxação, a alíquota, que maximiza suas receitas fiscais, ou seja, aquela em que a participação do mercado legal é máxima sem atrair novos consumidores ou aumentar a participação de usuários problemáticos.

No caso do cigarro, conforme estudo da FGV Projetos sobre Efeitos Socioeconômicos da Regulamentação, pela ANVISA, dos Assuntos de que tratam as Consultas Públicas nº 112 e 117, de 2010, o mercado ilegal estava presente em 45% dos estabelecimentos que comercializavam cigarros, ou seja, 190 mil varejistas ofereciam tanto o produto formal como o ilegal, implicando numa perda de arrecadação estimada em R$2.0 bi. Em 2013, foram arrecadados quase R$8 bi em tributos federais com o cigarro. Em 2010, o mercado legal correspondia a R$17 bi e a arrecadação de IPI rendeu R$3,7 bi à União. Considerando os demais tributos federais, a receita chegou a R$ 6 bilhões. Com essas informações, o mercado potencial de cigarros era de quase R$23 bilhões com arrecadação de R$10.5 bi. No estudo, afirmam que uma redução adicional de 45% do mercado formal implicaria uma redução na arrecadação de IPI da ordem de R$ 1.9 bi, de R$ 850 milhões de PIS/Cofins e de R$ 2.0 bi de ICMS, num total de R$ 4.7 bi.

Para entender os efeitos de diferentes níveis de tributação na estimação da participação do mercado legal e ilegal, consideramos hipóteses distintas sobre o comportamento dos usuários frequentes e ocasionais em face de produtos de diferentes preços e qualidade.  Lembremos que, nas nossas estimativas, os 25% usuários frequentes, 2.7 milhões de pessoas, consomem em média 85g e despendem R$1734 por mês. Já os 8.7 milhões de usuários ocasionais consomem, em média, 10g e despendem R$199 por mês. Podemos supor que os usuários frequentes possuem maior elasticidade renda-demanda e menor elasticidade preço-demanda (e pequenas, uma vez que a demanda para esse tipo de produto é reconhecidamente inelástica). Assim, os usuários frequentes acessam alternativas ao mercado legal em maior proporção, sendo o cultivo doméstico uma dessas alternativas.

Caso os usuários ocasionais e os frequentes acessem o mercado ilegal em 25% e 75% respectivamente, concluímos que a arrecadação cairia para R$ 14 bi por ano, ou seja, 60% abaixo de nossas estimativas iniciais, mas ainda quase 3 vezes maior do que a prevista pelo estudo da Câmara dos Deputados. As receitas do governo são as que mais caem (R$22 bi), enquanto os dispêndios do mercado legal e ilegal somam R$30 bi com uma diminuição de R$11 bi, em relação ao mercado potencial. Assim, o dispêndio total cairia para R$44 bi, em decorrência de um menor custo de produção do mercado ilegal e de menor arrecadação tributária. Em média, os usuários frequentes economizariam 53% e os ocasionais somente 18% com a compra de produtos mais baratos no mercado ilegal. O custo de produção do mercado ilegal é, no exercício, de R$6 por grama, ou seja, R$ 4,8 menor do que o custo de produção do mercado legal.

Para ilustrar os dilemas de política que existem entre os objetivos fiscais, o controle da quantidade demandada por usuários problemáticos e a redução das rendas dos ofertantes ilegais, consideramos outros dois cenários de taxação e participação do mercado ilegal. Nas tabelas abaixo, observamos elevação da arrecadação (R$17 bi) e redução significativa do mercado paralelo (R$ 8.3 bi), dada a redução da alíquota total para 62.5% no segundo cenário. No terceiro cenário, com redução maior da alíquota de impostos para 33%, observamos a redução significativa dos recursos destinados aos mercadores ilegais (R$ 4.7 bi) e uma queda relativamente menor da Receita Fiscal para R$11.6 bi.

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 No exercício, os preços caem para R$ 17.55 e R$ 14.36 no segundo e terceiro cenário. Há um aumento relativamente pequeno da demanda em toneladas por conta da baixa elasticidade preço-demanda, subindo 7 toneladas (2.2%) no segundo cenário e 18 toneladas (5.7%) no terceiro cenário. Sobre a elasticidade, supõe-se uma variação na demanda de 45% da variação percentual do preço final para usuários ocasionais e de 15% para usuários frequentes. A ilegalidade traz um outro problema; nesse caso, estimar as elasticidades sem dados históricos adequados de preços e quantidades se torna uma tarefa ingrata para a Econometria.  As participações do mercado ilegal diminuem nos dois cenários para 10% e 5% no grupo de usuários ocasionais e para 45% e 25% no grupo de usuários frequentes.

Resta ainda definir e calcular qual seria taxação ótima do mercado de Cannabis Medicinal. Para obter estimativas iniciais do mercado potencial de Cannabis Medicinal, seriam necessárias hipóteses sobre a prevalência de cada uma dessas enfermidades na população, sobre os gastos do sistema público de saúde, sobre os principais medicamentos, o respectivo volume de vendas de cada um no tratamento de cada uma dessas patologias e sobre a participação desses novos medicamentos em cada um desses mercados.

O relatório divulgado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados mostra um Estado que cumpre seu papel constitucional de regular um mercado relevante, cujas possibilidades medicinais são também significativas. O exercício desse texto permite observar que as receitas fiscais são impressionantes para diferentes níveis de alíquota total, mesmo com a presença do mercado ilegal. As escolhas do modelo de mercado e regime tributário em que a Cannabis é oferecida de forma segura à sociedade são determinantes para que o impacto dessas políticas maximize o seu bem-estar social. Esperamos que o Senado, o Governo em todas as esferas e o Judiciário se unam à Câmara dos Deputados para avançar nessa direção.

 

Samy Abud Yoshima: administrador de empresas e mestre em Economia pela FGV em SP e no RJ. Empresário com formação no mercado financeiro. Atualmente, é sócio da Senses Biotech no Uruguay e de outras empresas no Brasil.