A Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) – rede composta por 34 instituições, grupos e coletivos das mais diversas áreas de atuação – vê com enorme preocupação a grave crise política brasileira e os primeiros movimentos do governo interino no tocante à política de drogas. Não podemos abrir mão dos poucos avanços conquistados nos últimos anos. É inegável que a atuação dos mais diversos movimentos sociais e participação de especialistas de diversos campos do saber mudaram de patamar a discussão sobre política de drogas no Brasil. Por isso mesmo, são alarmantes os sinais de que essa área do governo interino seja conduzida por uma perspectiva militar – a guerra às drogas – e, assim, esteja centrada na repressão da oferta, uma estratégia fracassada que nunca foi capaz de diminuir os danos potenciais decorrentes do uso de substâncias ilícitas. Reforçar a guerra às drogas é agravar o já inaceitável quadro da violência no Brasil, que há mais de uma década conta seus homicídios em dezenas de milhares, vitimando majoritariamente os grupos populacionais mais pobres e etnicamente discriminados, como os jovens negros. Essas são as mesmas características sociais dos mais de 620 mil encarcerados e encarceradas no país, um número que cresce ano após ano, dos quais mais de 28% respondem pelo crime de tráfico de drogas, proporção que passa de 60% no caso das mulheres presas. A inútil escalada de encarceramento e violência segue alheia às inúmeras evidências científicas e ao crescente debate internacional acerca de inúmeras políticas alternativas.
Tampouco podemos aceitar que as políticas de cuidado e tratamento a pessoas que fazem uso problemático de drogas privilegiem a internação em detrimento da ainda incipiente rede de atenção psicossocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Todo o atendimento financiado por recursos públicos deve ser sustentado por evidências científicas a respeito de sua efetividade e ter como pressuposto inegociável a garantia dos direitos humanos. Igualmente, programas de redução de danos e a de disseminação de informações qualificadas sobre drogas, que tanto evoluíram nos últimos anos, não podem ser ignorados e ofuscados em favor de discursos ultrapassados que veem no medo e na abstinência o único objetivo possível da ação estatal.
Em um momento de grave questionamento da representação política, é fundamental que todos os mecanismos de participação democrática sejam garantidos na formulação, discussão e avaliação dos diversos campos da política de drogas no Brasil. Em face dos danos, reais e potenciais, que dela decorrem, a política de drogas deve ser prioridade e não ser relegada a decisões pouco transparentes de grupos restritos de interesse e/ou legendas políticas sem compromisso com um Estado plural e laico.
A PBPD, em articulação com seus membros, está sempre aberta ao diálogo e, ao mesmo tempo, mobilizada para denunciar e enfrentar formulações políticas que caminhem no sentido oposto aos de nossos princípios: uma política de drogas que garanta e promova os direitos humanos, a saúde e a segurança públicas.