Pesquisadores brasileiros participam de conferência sobre plantas sagradas nas Américas
Organizada por Beatriz Labate, membro do Conselho Consultivo da PBPD, conferência aconteceu em fevereiro em Ajijic, México, e reuniu membros da Plataforma no encontro
Organizada pela antropóloga brasileira Beatriz Labate, a primeira edição da Conferência Plantas Sagradas nas Américas aconteceu na cidade de Ajijic, próximo de Guadalajara, no México, entre os dias 23 e 25 de fevereiro. Ativistas e pesquisadores brasileiros, entre antropólogos, médicos, psicólogos e historiadores, compartilharam seus trabalhos e projetos no evento, que contou com a apresentação de 140 pessoas e mais de 1500 participantes de diversos países.
Membros do Conselho Consultivo e da Secretaria Executiva da PBPD estiveram presentes, além de representantes de entidades-membro: a antropóloga Sandra Goulart, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, do Leipsi, que também compõe o Conselho Consultivo, e Fernando Beserra, da Associação Psicodélica do Brasil. Harumi Visconti, coordenadora de Comunicação da PBPD, também participou da conferência.
Os três dias de evento foram divididos em doze painéis, que trataram, dentre outros temas, de ayahuasca, peyote, política de drogas, história e antropologia, práticas medicinais atuais e tradicionais, globalização, e psicodélicos, com direito a mesas exclusivas sobre MDMA.
Questionado sobre a relação entre plantas sagradas e o MDMA, uma substância sintética, Fernando Beserra, da Associação Psicodélica do Brasil, explica à PBPD: “Na cena de uso de psicodélicos, a gente tem também formas de ritos de passagem, experiências transcendentes e até mesmo religiosas. E isso não se finda no uso originário das plantas. Os povos contemporâneos têm buscado novas formas de conexão e eles têm encontrado isso também em substâncias sintéticas”. O psicólogo dividiu a mesa com o médico Luís Fernando Tófoli em um painel sobre o tema. “A legalização dos psicodélicos só para fins religiosos ou científicos pode estigmatizar os usuários que não fazem nenhum desses dois usos”, afirmou Beserra.
Tófoli concorda. “A aceitação pública para o tratamento com psicodélicos acontece quando seu uso é desvinculado da questão política”, afirmou o médico durante a palestra. Em sua apresentação, o psiquiatra afirmou que o renascimento da ciência psicodélica na América Latina pode ser explicado pela redescoberta dos potenciais terapêuticos da ayahuasca, inclusive para dependência química.
Pioneiro nas pesquisas sobre ayahuasca, o Brasil foi representado na conferência por lideranças indígenas, como Leopardo Yawa Bane, do povo Huni Kuin, do Acre, e antropólogas, sobretudo. Sandra Goulart, membro do Neip, foi uma delas. No painel sobre o tema, a pesquisadora apresentou a influência da ayahuasca na arte contemporânea a partir dos trabalhos do povo Huni Kuin. “A inserção na arte contemporânea se dá por meio da aliança desses indígenas com não indígenas. E as plantas sagradas têm assumido muita relevância, muita coisa se transforma”, diz.
Harumi Visconti, jornalista e coordenadora de Comunicação da PBPD, apresentou um breve panorama do uso terapêutico da maconha no Brasil, mostrando como a discussão, tanto em âmbito legislativo e judiciário como também entre os movimentos pelo acesso legal à erva, está polarizada. De um lado, defende-se que a legalização da chamada maconha medicinal deve ser acompanhada de uma reforma mais ampla da política de drogas, entendendo que o uso terapêutico – e o lobby que o acompanha – não podem capturar uma pauta mais ampla e tão urgente, como a revisão do modelo proibicionista. Outros, porém, defendem a separação entre o uso social e o uso terapêutico, apoiando a liberação apenas do uso medicinal.
A polarização entre uso social vs. uso medicinal não foi exclusiva dessa mesa. A tônica do evento foi de crítica aos modelos regulatórios de substâncias tradicionais, que autorizam apenas o uso ritualístico ou medicinal dessas substâncias e criminalizam os demais usos – como a Bolívia, no caso da folha de coca. Em diversos painéis da conferência, a provocação a essa polarização, muito bem representada, por exemplo, na campanha de Evo Morales “Coca si, cocaína no”, apareceu nas falas de pesquisadores e ativistas, inclusive em mesas sobre os usos da papoula para a produção da morfina, ópio e heroína.
A conferência também foi um espaço para denúncias. Diversos palestrantes contaram sobre o impacto de mineradores em regiões consideradas sagradas no México ou sobre as cifras do narcotráfico no continente, além dos danos ambientais causados pelas políticas de erradicação de plantas proibidas nas Américas.
Como não podia deixar de ser, o evento também foi permeado por performances e apresentações de grupos indígenas, sobretudo do México, que vêm lutando para manter suas tradições e rituais sagrados. “Em um contexto no qual as reformas das políticas de drogas são conjunturais, consideramos relevante construir espaços de discussão sobre as espécies psicoativas e a crescente multiplicidade de seus usos. Além disso, buscamos dar voz às populações indígenas que conhecem as plantas psicoativas desde tempos imemoriais, por isso foram os palestrantes magistrais no Congresso”, afirmou Beatriz Labate em texto sobre a conferência.
“A conferência é o resultado de dois anos e meio de trabalhos e esforços, e nós alcançamos um ótimo resultado. Eu considero que, até agora, não existe um espaço como esse que una em uma mesma conferência política de drogas, usos tradicionais e ciência psicodélica, abordadas pelas perspectivas da antropologia e ciências sociais”, afirmou a pesquisadora.