Resposta à nota do CFM e ABP sobre decisão da Anvisa

19 de junho, 2019 Plataforma PBPD Permalink

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicaram “Nota aos brasileiros”, na qual pedem revogação de atos que possam liberar o cultivo de maconha no País, a propósito da decisão da ANVISA de abrir consulta pública a respeito do modelo regulatório do cultivo de cannabis.

Segundo a nota do CFM e da ABP, não há evidências científicas de que o uso de cannabis e derivados sejam capazes de garantir “efetividade e segurança aos pacientes”, com exceção do canabidiol (CBD) o qual “tem autorização para uso compassivo sob prescrição médica no tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários aos métodos convencionais”, conforme previsto na Resolução CFM 2113, de 2014, que também “proíbe aos médicos a prescrição de cannabis in natura para uso medicinal, bem como de quaisquer outros derivados que não o canabidiol”.

Causa surpresa que entidades que deveriam alicerçar seus posicionamentos baseados em evidências científicas e critérios médicos, insistam na retórica ultrapassada de que não há suficiente acúmulo de pesquisas sobre o uso medicinal da cannabis. O mesmo vale para a obsoleta Resolução CFM 2113, de 2014, que deveria ter sido atualizada em 2016 e em 2018, mas ainda não o foi (1).

Publicação oficial do próprio CFM reconhece a existência de evidências conclusivas sobre a eficácia terapêutica da cannabis (e não apenas CBD) como indicação clínica para dor crônica em adultos (2). Além disso, há a venda nas farmácias brasileiras do Mevatyl, remédio a base de cannabis que contém 27 mg/ml de THC (tetrahidrocanabinol), responsável pelo efeito psicoativo da maconha, e 25/ml mg de CBD, o que faz pressupor que o registro do mencionado fármaco torna descabida a afirmação de que extrato de cannabis se enquadre no conceito de procedimento de caráter experimental. Seguindo nesta linha, médicos da ABP acabaram de publicar um artigo na Revista Brasileira de Psiquiatria (3), veículo científico da própria Associação, em que apresentam um guia com recomendações de uso de baixo risco de cannabis (não só para fins medicinais), destacando os riscos do uso de cannabinoides sintéticos, muitas vezes indicados como algo mais “puro” e que não dá “barato”, e sugerindo os meios vaporizados e comestíveis como preferíveis para o uso da planta para se evitar a combustão do uso fumado.

Por fim, as mais de três dezenas de decisões judiciais que autorizam cultivos individuais e coletivos de cannabis para fins terapêuticos e medicinais em todo o Brasil comprovam que a tentativa de impedir o acesso a esses tratamentos, além de conflitar com a ciência, representa uma grave violação do direito à saúde. O interesse dos pacientes deve ser levado em conta para que o modelo regulatório da cannabis contemple as necessidades de todos, e não apenas do Big Pharma.


(1) “Art. 5° Esta resolução deverá ser revista no prazo de 2 (dois) anos a partir da data de sua publicação, quando deverá ser avaliada a literatura científica vigente à época”.

(2) ARAÚJO, Alberto José de; LOTUFO, João Paulo Becker; COSTA, Carolina. A tragédia da maconha: causas, consequências e prevenção. [S.l: s.n.], Conselho Federal de Medicina, 2019.

(3) Disponível em: http://www.scielo.br/…/2…/1516-4446-rbp-1516444620180239.pdf