Logo após apresentar um painel sobre militarização da segurança pública na 62ª edição da Comissão de Drogas Narcóticas da ONU (CND), em Viena, a pesquisadora brasileira, Luciana Zaffalon, assessora de Relações Internacionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, foi interpelada pelo delegado da Polícia Federal Elvis Aparecido Secco, Coordenador-Geral de Polícia de Repressão a Drogas e Facções Criminosas da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF.
A discussão aconteceu durante o painel “Controle de drogas e militarização da segurança: reflexões sobre a experiência nas Américas”, realizado no dia 19 de março durante os chamados side events – eventos paralelos, organizados por governos e sociedade civil durante a CND, principal fórum internacional para a formulação de políticas de drogas em nível global.
Enquanto apresentava dados do Observatório da Intervenção sobre os principais impactos da intervenção federal no Rio de Janeiro, apontando o aumento de 35% no número de pessoas mortas pela polícia, Luciana Zaffalon foi interpelada pelo policial federal, que questionou as conclusões da pesquisadora, afirmando que não se poderia dizer “pessoas” de forma tão genérica considerando que não se tratam de inocentes.
Antes que pudesse responder, o delegado afirmou: “Para mim, são pessoas criminosas. No Rio de Janeiro há mais pessoas que cometem crimes contra a polícia [do que o contrário]”, disse. “Se essas pessoas são consideradas criminosas, elas devem ser investigadas e julgadas”, respondeu a pesquisadora. Secco discordou e afirmou que não são “apenas inocentes” que morrem em confrontos com a polícia, mas foi relembrado por Zaffalon de que as leis brasileiras não preveem, na teoria, a pena de morte.
A discussão terminou após a intervenção da mediadora da mesa.
Entre os participantes do painel, o clima foi de estranhamento. Tanto os eventos oficiais quanto os side events na ONU são extremamente protocolares, com falas cronometradas e momentos específicos para o debate. “Tratava-se de um momento reservado para perguntas e não foi o que ocorreu. Não houve diálogo, mas sim uma intimidação como se apresentar dados da realidade brasileira fosse inaceitável. Quando ressaltei que se tratavam de dados oficiais fui interrompida pelo agente federal que disse ter ele também seus próprios dados. Simplesmente não é possível travar um debate democrático nesses termos”, afirmou Zaffalon.
A pesquisadora ressaltou que além da intimidação, extremamente grave, foi estarrecedor ouvir de um agente brasileiro em missão internacional na ONU a defesa da execução sumária dos nossos cidadãos. “De maneira muito intimidadora, tanto com a pesquisadora quanto para o espaço, ele seguiu falando que no Rio de Janeiro havia mais pessoas criminosas do que inocentes. A mensagem que queria passar era essa: a de intimidação. Eram números oficiais, mas que foram tornados públicos”, afirmou Isabel Pereira, da organização colombiana Dejusticia, que mediou a mesa. Além do Brasil, o painel foi organizado por entidades do México, Colômbia e Argentina.
Outro caso de intimidação envolvendo a diplomacia brasileira aconteceu na semana passada. Durante uma conferência da ONU na Suíça com o ex-deputado federal Jean Wyllys, que abriu mão do mandato e saiu do país após ameaças, a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo interrompeu a fala para refutar as afirmações do ativista. Após ter seu direito de réplica negado, a embaixadora abandonou a discussão.
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