Por Régis Eric Maia Barros
O Supremo Tribunal Federal julgará a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal (RE 635.659). Novamente, a suprema corte participará de uma demanda histórica a qual extrapolará uma análise meramente jurídica. Nessa dimensão analítica, outras questões necessitarão ser abordadas (filosóficas, éticas, científicas e de saúde pública).
Portanto, os pensadores e associações de classe assumem papel central na condução técnica desse julgamento. Seriam elas as responsáveis por trazer os subsídios técnicos, científicos e sociais aos ministros do STF. Contudo, enquanto médico e psiquiatra, eu fui surpreendido por uma nota de apoio à criminalização do porte de drogas para o consumo pessoal. Essa nota teve, justamente, como signatários as instituições médicas e de categoria que me representam.
O mais estarrecedor de tal conduta foi perceber que a justificativa para as argumentações favoráveis à criminalização do usuário vai de encontro à lógica científica sobre a matéria. Além disso, percebe-se um discurso com suposta roupagem de proteção ao usuário e à sociedade, mas que, pelo contrário, desprotege ambos.
O olhar mitológico e preconceituoso sobre tal questão jurídica evidencia riscos, visto que, o conservadorismo preso nas construções do “perigo” e do “medo” não responde aos anseios sociais. Ademais, propaga uma equivocada sensação de pavor na sociedade e acaba por piorar o preconceito para com o usuário de droga. Esse usuário não é um bandido e nunca poderá ser apenado como causador do caos ao tratarmos dos problemas relacionados ao uso de drogas. As causas são múltiplas e estão relacionadas, inclusive, a esta forma vertical e hierárquica de analisar os problemas sociais do mundo.
Inoportunamente, o falso discurso científico pode ser usado para o controle e o domínio. Para que isto seja conduzido, basta que aqueles que detêm a informação propaguem falsas verdades. No caso em tela, as verdades propagadas pelas associações médicas, que me representam, não foram tão verdadeiras. Por isso, muitos profissionais da saúde, inclusive eu, assinaram uma nota de rico teor científico para contrapor tudo que foi postulado pelas associações médicas que apoiaram, em nota, à criminalização.
Quero acreditar que tal postura seja fruto de desconhecimento e da não discussão com seus associados. Ressalto que a nota de apoio à criminalização do usuário foi escrita e assinada sem uma discussão aprofundada com seus associados. Usa-se a justificativa de que alguns experts orientaram a nota institucional. Contudo, centenas de outros experts pensam de outra forma e apoiam a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
Espero que o STF atue ricamente e que possa executar a justiça social, ética e científica. Ao final, mitos amedrontadores cairão e poderemos ter uma sociedade mais justa e menos conservadora.