Na manhã desta terça (23), 213 entidades de todo o país, entre elas a PBPD, apresentaram à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) uma denúncia contra a gestão da Covid-19 nos presídios brasileiros.
O documento traz dados e evidências sobre violações de normas e recomendações internacionais em pelo menos seis âmbitos: falta de acesso à saúde, entraves ao desencarceramento, incomunicabilidade, problemas no registro de óbitos, rebeliões e uso de estruturas temporárias precárias para o abrigo das pessoas presas. As entidades pedem que os organismos internacionais demandem explicações ao Brasil e recomendem a adoção de medidas emergenciais para conter uma “catástrofe de proporções preocupantes”.
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Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), os casos notificados de Covid-19 nas prisões brasileiras aumentaram 800% desde maio e, de acordo com levantamento feito pela Folha de S.Paulo, a letalidade da doença entre pessoas encarceradas pode ser até cinco vezes maior do que a registrada na população em geral.
O Brasil possui a terceira maior população prisional do mundo, com 750 mil pessoas, e 31% dos presídios não possuem qualquer tipo de assistência médica internamente, de acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público. A superlotação é generalizada: com uma taxa de ocupação de 171,6% em todo o sistema, a grande maioria das unidades é incapaz de aplicar medidas de distanciamento social.
De acordo com as entidades, em uma circunstância de pandemia em que a proteção contra o vírus depende de higiene, limpeza e distanciamento social, “manter pessoas privadas de liberdade amontoadas em um espaço fechado e insalubre é exercer um poder de morte que se concretiza em uma equação brutal”.
“Nós fomos pedir para entregar produtos de limpeza e disseram não que aceitariam porque o Estado estava dando todo o suporte, mas nós familiares sabemos que não está. Sabemos que eles não têm exames e que já há internos infectados. O próprio sindicato de agentes diz que 19 funcionários estão afastados por testarem positivo e que já falta comida em algumas unidades do Complexo da Mata Escura [Bahia]”, diz Elaine Bispo Paixão, familiar de pessoa presa e articuladora da Agenda Nacional pelo Desencarceramento. “Desde 19 de março as visitas estão suspensas e não temos notícias dos nossos familiares, maridos, filhos irmãos. E não é só na Bahia: é o Brasil todo que está sem notícia dos seus”, completa.
“Do ponto de vista da garantia dos direitos humanos, o sistema prisional brasileiro está em colapso há muito tempo. Com a chegada da Covid-19, a situação foi agravada e o que vemos, agora, é o Estado brasileiro com um poder de vida e morte sobre as pessoas encarceradas”, afirma Gustavo Magnata, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
As organizações destacam que o estado de crise crônica do sistema prisional, agravado pelo coronavírus, afeta principalmente as pessoas negras, que são alvos preferenciais do sistema de Justiça Criminal e das políticas de segurança pública: “65% das pessoas presas são negras. Isso significa que a grande maioria já compõe uma parcela de pessoas afetadas pelas desigualdades sociais e étnico-raciais existentes na sociedade brasileira e que têm essas realidades aprofundadas ao vivenciarem o cárcere. São pessoas que já compõem um quadro histórico de vulnerabilidade social e, portanto, de saúde, imposto pelo racismo”.
As entidades apresentam casos e argumentos especialmente duros contra os órgãos do Judiciário. De acordo com a denúncia, juízes e Ministério Público têm dificultado e até impedido a aplicação da Resolução 62/2020 do CNJ, que faz recomendações para garantir o desencarceramento e, assim, a redução da superlotação. A denúncia chama atenção para a ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) 684, parada há mais de um mês no STF (Supremo Tribunal Federal), que pede a determinação de medidas para controlar a pandemia nos presídios.
“Há muito tempo denunciamos o compromisso do sistema de Justiça brasileiro com o projeto racista de ampliação do encarceramento no Brasil. Com a pandemia, esse papel ficou exacerbado: vemos juízes, ministros e Ministério público atuando, sem nenhum tipo de pudor, para inviabilizar medidas de desencarceramento. Desta forma, contribuem diretamente com a manutenção da superlotação e, consequentemente, com a proliferação do vírus entre as pessoas custodiadas”, afirma Eleonora Nacif, presidenta do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)
A denúncia das entidades foi enviada aos seguintes órgãos e autoridades:
ONU – Michelle Bachelet, alta comissária para os Direitos Humanos; Niky Fabiancic, coordenador residente no Brasil; Dainus Puras, relator especial para o direito de todos aos mais altos padrões de saúde física e mental; Nils Melzer, relator especial sobre tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos e degradantes; Subcomitê de Prevenção à Tortura.
CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) – Paulo Abrão, secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Joel Hernández García, relator sobre defensoras e defensores de direitos humanos e operadores de justiça; Antonia Urrejola Noguera, relatora sobre memória, verdade e justiça; Edgar Estuardo Ralón Orellana, relator sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade e combate à tortura; Margarette May Macaulay, relatora sobre os direitos das mulheres e os direitos das pessoas afrodescendentes e contra a discriminação racial.