Nos últimos dias 5 e 6, especialistas brasileiros e mexicanos se reuniram em Guadalajara para discutir questões ao redor da temática das drogas, como a legalização da maconha e o papel das duas nações na UNGASS 2016, por exemplo. Confira abaixo a declaração elaborada ao final do evento:
A Organização das Nações Unidas identifica cinco “consequências negativas não desejadas” decorrentes da proibição e de controle de drogas, incluindo: um mercado criminoso que desestabiliza os países, gera violência e encarcera milhões de pessoas a cada ano; um enfoque punitivo alheio à saúde pública; e o efeito balão, onde o cultivo, tráfico e consumo de substâncias se deslocam de um território para outro sem desaparecer, alimentando a discriminação e o estigma contra as pessoas que usam drogas. Este fracasso é altamente visível no México e no Brasil, os dois países mais populosos da América Latina.
Os direitos humanos são parte fundamental do direito internacional, aparecendo na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entretanto, nas três convenções mais importantes sobre drogas (1961, 1971 e 1988), os Direitos Humanos são mencionados apenas uma vez, assinalando a enorme brecha existente entre o respeito a eles e o controle sobre as drogas. Seguindo as convenções sobre drogas, a maioria dos países violam as convenções de Direitos Humanos, algo que não aceitamos. Além disso, os Estados devem garantir o acesso aos medicamentos controlados, incluindo os opiáceos, necessários para aliviar a dor, oferecer cuidados paliativos, servir como anestesia, atender à dependência e mitigar outras formas de sofrimento.
Da mesma maneira, os direitos econômicos, sociais e culturais das populações indígenas foram fortemente violados em nome do controle de drogas, com milhares de pessoas sendo criminalizadas por produzir ou consumir plantas que constituem parte integral de sua história, cultura, identidade, rituais e tradições. O uso de drogas faz parte da realidade e está profundamente integrado em práticas e cosmologias de diferentes povos e sociedades. A criminalização de grandes contingentes de pessoas provenientes desses grupos causou profundos danos em sua autonomia, cultura e tecido social.
Com dezenas de milhares de mortos, desaparecidos e deslocados internos nos últimos sete anos, o México encontra-se frente a uma crise humanitária causada pela estratégia repressiva de combate ao tráfico de drogas e pela violência das organizações criminosas. O Brasil, por sua vez, apresenta mais de 56.000 mortes violentas por ano, a maioria de jovens afrodescendentes, sendo o terceiro país com a maior população carcerária do mundo, com cerca de 27% das pessoas presas por delitos relacionados às drogas.
A criminalização de atores envolvidos com drogas ilegais é sempre seletiva, afetando desproporcionalmente os mais pobres, as mulheres, os jovens, os indígenas e os negros. Em toda a América Latina, o crime de tráfico de drogas é o que mais afeta mulheres, especialmente as mais jovens, pobres, as mães solteiras e chefes de família que frequentemente têm baixa escolaridade, são responsáveis pelo cuidado dos filhos e de outros membros da família e pertencem a minorias étnicas (negras, indígenas e latinas). No Brasil, cerca de 55% das mulheres presas são negras, ao passo que, no México, há um número significativo de mulheres indígenas na prisão por delitos relacionados às drogas.
Considerando que os esforços até agora fracassaram e levando em conta a próxima Sessão Especial da Assembleia das Nações Unidas (UNGASS 2016) e os contextos atuais do Brasil e do México, recomendamos:
Promover o respeito ao uso terapêutico, medicinal, religioso e recreativo das drogas em nossas tradições e culturas;
Integrar a participação da sociedade, das pessoas que usam drogas, das vítimas, dos cultivadores e dos grupos mais afetados na construção das políticas de drogas;
Desenvolver políticas públicas baseadas em conhecimentos científicos e princípios éticos, que garantam o pleno respeito aos direitos culturais dos povos e à garantia dos direitos humanos;
Respeitar a soberania das nações e povos em temas de política de drogas; e descentralizar as decisões sobre políticas de drogas;
Implementar uma descriminalização efetiva de todo o uso de drogas;
Impulsionar o acesso à atenção e tratamentos dignos e humanitários para usos problemáticos de drogas;
Fomentar a investigação científica sobre os efeitos das drogas, assim como os potenciais terapêuticos das substâncias psicoativas, especialmente da cannabis e dos psicodélicos;
Apoiar a imediata regulação legal dos mercados de cannabis, a droga ilegal mais consumida no mundo;
Revisar e alterar os indicadores das políticas de controle de drogas; e
Assegurar a produção e/ou importação de remédios essenciais para o tratamento da dor, tanto das substâncias proibidas como a cannabis, cujas numerosas aplicações terapêuticas foram demonstradas por uma ampla literatura científica, como de substâncias controladas como os opiáceos e todos os medicamentos que se encontram na lista de remédios essenciais da OMS.
Os danos do paradigma proibicionista no sistema de fiscalização internacional de drogas têm sido devastadores e é hora de reconhecer que o uso de drogas psicoativas é um fenômeno intrínseco da experiência humana e criar novas políticas que respeitem os direitos humanos, promovam a saúde pública e a proteção social e cultivem o desenvolvimento na América Latina. O momento é agora.
Congresso Drogas, Política e Cultura: Perspectivas Brasil-México.
Guadalajara, 6 de outubro de 2015.