Com a chegada do Dia das Mães, em maio, foi publicado no dia 12 de abril o decreto de indulto e comutação de pena para mulheres privadas de liberdade. O texto é um alento frente ao decreto de indulto natalino lançado no ano passado: restritivo, não contemplou idosos entre 60 e 70 anos nem pessoas com doenças graves ou permanentes. O decreto de agora, porém, concede a obtenção de indulto e comutação de pena a mulheres condenadas ou que respondem a crimes sem violência ou grave ameaça. É o caso do tráfico de drogas.
Estatísticas do Ministério da Justiça mostram que cerca de 70% das mulheres presas no Brasil respondem por crimes ligados à Lei de Drogas. Em junho de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu afastar a hediondez do tráfico privilegiado. Na prática, pessoas que não têm antecedentes criminais nem ligação com organizações criminosas e que são rés primárias poderão obter com mais facilidade liberdade provisória, fiança, sursis, graça, anistia e indulto – possibilidades que são vedadas para os crimes rotulados como hediondos ou a estes equiparados, como a tortura, por exemplo. Além disso, o afastamento da hediondez possibilita a progressão de regime carcerário a partir do cumprimento de 1/6 da pena, e o livramento condicional mediante o resgate de 1/3 da sanção, para condenados primários, ou metade, no caso dos reincidentes.
Conversamos com a defensora pública do Estado de São Paulo, Verônica Sionti, sobre o decreto para mulheres. Confira abaixo os principais trechos da conversa, separados por temas.
Encarceramento feminino:
“O indulto é comumente entendido como um perdão presidencial, mas ele é um instrumento de política criminal. Por isso, pode ser utilizado para minimizar as mazelas do sistema prisional brasileiro, promovendo o desencarceramento. Nesse sentido, é essencial que a concessão do indulto ocorra tendo como base as nuances concretas da prisão no Brasil.
O recorte de gênero sobre o encarceramento é muito importante, já que ele é permeado de peculiaridades. Nesse sentido, eu acho que é bem acertada a concessão de indulto para mulheres levando em consideração a maternidade, já que as pesquisas existentes apontam para o fato de que cerca de 80% das mulheres presas são mães e que a maioria delas é a principal ou a única responsável pelo sustento e cuidado dos filhos. É muito importante que essa situação seja considerada na concessão do indulto e na comutação da pena de forma a trazer critérios menos rígidos para a obtenção de indulto de mulheres que são mães, porque a prisão dessas mulheres traz um impacto negativo na vida dos filhos”.
Tráfico privilegiado: reconhecimento de sua não hediondez
“Outro ponto importante desse decreto é a concessão de indulto e de comutação de pena a mulheres condenadas por tráfico, seja ele privilegiado ou não. Especificamente em relação ao indulto, há uma ressalva de que o tráfico deve ser privilegiado. Na minha leitura, isso também é uma concessão que parte de um dado da realidade: historicamente as mulheres não eram, em sua maioria, beneficiadas pelos decretos de indulto, que em regra restringiam a possibilidade de obtenção de indulto por pessoas condenadas por tráfico. E como a maioria das mulheres está condenada por tráfico, elas eram excluídas disso”.
Decreto de indulto em 2016: retrocessos
“Se olharmos os decretos anteriores – com exceção do texto do ano passado, que foi bem restritivo – em regra, eles não restringiam a obtenção de indulto por tráfico privilegiado, pois havia no decreto um artigo que colocava quais crimes não seriam abrangidos pelo texto. Nessa parte não se falava em artigo 33, parágrafo 4º [sobre tráfico de drogas privilegiado], falava-se [artigo] 33 caput, [artigo] 33, parágrafo 1º [da Lei de Drogas]. Na prática, o parágrafo 4º não estava excluído da obtenção de indulto, mas existia uma interpretação judicial que excluía, inclusive, a possibilidade de obtenção de indulto para tráfico privilegiado.
O fato é que o decreto de agora traz de forma explícita que as mulheres condenadas por tráfico privilegiado vão poder obter indulto após o cumprimento de um sexto [da pena]. Isso é um avanço importante porque leva em consideração a exclusão histórica das mulheres na obtenção de indulto em razão da condenação por tráfico. O reconhecimento recente do STF de que tráfico privilegiado não é equiparado aos [crimes] hediondos contribui também para esse avanço, já que a decisão dá um norte de interpretação para todos os juízes e juízas acerca da aplicação desse decreto.
O que é importante dizer é que embora tenha essa exclusão histórica do indulto para pessoas condenadas por tráfico, seja tráfico privilegiado ou não, o fato é que a Constituição não veda a concessão de indulto para tráfico privilegiado nem para o não privilegiado”.
Expectativa:
“Essa concessão que é feita agora para as mulheres deve ser também estendida também para os homens. Embora o indulto esteja concedido só para o tráfico privilegiado, pela leitura do decreto, a comutação pode ser estendida mulheres condenadas por tráfico não privilegiado, já que a comutação é concedida para mulheres que tenham praticado crimes sem violência ou grave ameaça. É muito importante que isso seja estendido também para os homens, já que a gente tem um decreto de indulto do ano passado que infelizmente foi muito descolado da realidade. Nós estávamos com um caos penitenciário absolutamente escancarado e o decreto trouxe muitos retrocessos, foi muito restritivo, não houve previsão de comutação.
Seria muito importante que esse decreto de agora fosse estendido num futuro muito próximo também para os homens, especialmente ao que se refere ao tráfico. Nós temos uma política de encarceramento por tráfico absolutamente insustentável, que é um fracasso do ponto de vista social e do ponto de vista de melhoria da vida em sociedade, uma política muito triste e que vem destruindo muitas vidas. A concessão de indulto por tráfico também para os homens é muito importante que venha num futuro próximo. A gente celebra o decreto de hoje e tem expectativa de que ele seja estendido também para os homens”.