PBPD Entrevista | Especial CND

31 de março, 2017 Plataforma PBPD Permalink

A Comissão de Drogas Narcóticas da ONU (CND, na sigla em inglês) realizou seu 60º encontro anual em Viena entre os dias 13 e 17 de março. A reunião é o principal evento internacional para discutir as políticas ao redor do mundo.  No encontro, a Plataforma e as entidades-membro Conectas, INNPD e REDUC denunciaram o Programa Redenção, apresentado pela Prefeitura de São Paulo para a região conhecida como Cracolândia.

No PBPD Entrevista especial sobre o encontro da CND, Gabriel Elias, coordenador de Relações Institucionais da Plataforma, relata os principais pontos tratados na reunião e afirma: há uma coesa articulação entre os setores conservadores do debate das drogas no mundo.

 

PBPD: O encontro anual da Comissão de Drogas Narcóticas é o principal evento internacional para discutir as políticas ao redor do mundo. Nesse sentido, quais foram os principais resultados da reunião em Viena? De que maneira elas incidem na formulação e aplicação das políticas de drogas a nos países?

Gabriel Elias: A sessão da Comissão de Drogas Narcóticas da ONU é a reunião anual específica para discutir as políticas de drogas. Além dela existem as reuniões intersecionais da CND, que acontecem a cada 4 meses. As discussões no encontro se dão em dois plenários. Em um deles, são feitos os debates sobre temas específicos da agenda, onde os países fazem seus discursos oficiais. Em outro acontecem os debates sobre as resoluções que são apresentadas pelos Estados-membros e que devem ser discutidas até chegarem a um consenso dos países.

Nesta edição, foram aprovadas 13 resoluções sobre os mais variados temas. As nossas prioridades foram a inclusão do foco urbano nos programas de desenvolvimento alternativo, o combate à discriminação racial na formação das forças de segurança e o financiamento para programas de prevenção a AIDS. Representando a Plataforma, além de mim foram também três organizações que compõem PBPD: a REDUC, a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) e a Conectas. Com o esforço coletivo de articulação, que envolveu parceiros de outros países que também compõem o IDPC, tivemos resultados positivos nessas áreas.

 

PBPD: Esse é o primeiro encontro da CND após a Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU sobre Drogas, a UNGASS, que foi realizada em março de 2016. De lá para cá, muitas mudanças institucionais e políticas aconteceram nos países. Você sentiu essas diferenças na reunião em Viena?

Gabriel Elias: A UNGASS despontou como uma força poderosa pela mudança da política de drogas no mundo. Conforme avaliamos na Plataforma no ano passado, ela foi realmente importante para mudar o rumo das discussões sobre drogas que vinham acontecendo na ONU. Mas a UNGASS foi apenas um passo no longo caminho que ainda existe para desfazer as amarras do proibicionismo. Essa caminhada contrária à proibição acontece agora com dificuldades adicionais. Nos parece que o México, antes aliado da Colômbia na defesa das reformas, agora abandonou essa estratégia. Esse grande desfalque se contrapõe a uma articulação muito melhor dos setores mais conservadores neste debate no mundo. A lógica de decisão por consenso na ONU dificulta as mudanças. Como conciliar a política do Uruguai, de regulação do comércio e da produção de maconha, com a política das Filipinas, de encarceramento e até assassinato em massa de usuários e traficantes de drogas?

Esta sessão da CND em março foi especialmente importante porque além de ser a primeira reunião após a UNGASS, definiu alguns rumos para a revisão do Plano de Trabalho da CND de 2009, que acontecerá em 2019, também em Viena. Esse plano de 2009 ainda definia como um dos objetivos “acabar ou reduzir significativamente o uso e comércio de drogas no mundo”, uma assertiva utópica que causa muitos danos no mundo. Mudar isso em um cenário ainda mais complicado é o desafio que teremos que enfrentar até a CND de 2019.

 

PBPD: A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, a SENAD, é quem representa o país nesses espaços. Qual foi a participação do governo brasileiro nesse processo?

Gabriel Elias: Embora a política de drogas no Brasil seja compartilhada entre diversos ministérios, a Senad é quem define a política que o Ministério das Relações Exteriores conduz nos fóruns internacionais. No momento em que a reunião aconteceu, Roberto Allegretti ainda era o Secretário e ele orientou o Governo a seguir a direção que vinha conduzindo na UNGASS. Foi um posicionamento orientado pelo corpo técnico do governo ouvindo a pressão feita também pela sociedade civil. Agora, infelizmente, esse cenário está incerto. Allegretti foi exonerado na semana seguinte à reunião e há rumores de indicações conservadoras ligadas a comunidades terapêuticas. Embora Allegretti fosse um coronel da Polícia Militar e sua indicação tenha nos assustado muito, ele não estava conectado com o debate global sobre drogas. Um representante das comunidades terapêuticas na Senad, porém, faria o Brasil se alinhar ao que há de pior na conjuntura internacional da política de drogas. E isso é muito preocupante.

 

Esse grande desfalque se contrapõe a uma articulação muito melhor dos setores mais conservadores neste debate no mundo. A lógica de decisão por consenso na ONU dificulta as mudanças. Como conciliar a política do Uruguai, de regulação do comércio e da produção de maconha, com a política das Filipinas, de encarceramento e até assassinato em massa de usuários e traficantes de drogas?

 

PBPD: O formato da CND prevê eventos paralelos ao da programação oficial. São os chamados side events, organizados pelos governos e pela sociedade civil. De que maneira as organizações brasileiras se articularam nesses espaços?

Gabriel Elias: Nós já havíamos realizados outros eventos como esse no ano passado em Viena, mas essa foi a primeira vez que tomamos a decisão de fazer um evento sem o apoio do governo. Não só fizemos sem o governo, como apresentamos dois eventos e não apenas um. O primeiro deles, sobre os 10 anos da Lei de Drogas no Brasil, foi apresentado pela Conectas e contou com a participação de representantes do México e da Argentina, que contaram como a política de drogas do Brasil se relaciona com outros países da América Latina. O segundo, sobre a relação entre racismo e guerra às drogas, foi uma oportunidade de dar continuidade ao tema que já havíamos levantado no ano passado. Foi a primeira vez que a CND discutiu a relação entre racismo e política de drogas em toda sua história. Neste ano aproveitamos a oportunidade para apresentar um vídeo denunciando as mudanças feitas na política de drogas da cidade de São Paulo, especialmente para a região conhecida como Cracolândia.

Além dos eventos que realizamos, o Brasil também foi tema de outra discussão, um debate sobre a regulação do CBD no país. Neste evento, lemos uma carta assinada por oito associações de familiares e pacientes de cannabis medicinal que denunciavam a omissão do governo justamente no tema que propagandeava na reunião. O texto também criticava o fato de nenhuma associação ter sido convidada ou mesmo comunicada da realização do evento sobre maconha medicinal e demandava mudanças mais significativas e ágeis na política de regulação de cannabis para fins terapêuticos. O governo recebeu bem a crítica e se comprometeu a realizar um novo evento em Viena no ano que vem convidando as associações para apresentarem suas experiências com a regulação do CBD no Brasil.