PBPD Entrevista: Margarete Brito

23 de novembro, 2016 Comunicação PBPD Permalink

Pais de Sofia, Margarete Brito e Marcos Langenbach mantêm desde o inicio do ano uma pequena plantação de maconha na varanda de casa, no Rio de Janeiro. A filha do casal, de 7 anos, é portadora da síndrome CDKL5 e seu tratamento prevê o uso de um óleo derivado da cannabis. De acordo com a Lei de Drogas, o cultivo é expressamente proibido, podendo ser enquadrado no crime de tráfico de drogas. Porém, uma decisão inesperada da Justiça, publicada no dia 16 de novembro, pode ter aberto um novo precedente para as famílias que dependem do cultivo de maconha para fins medicinais: na semana passada, foi concedido aos pais de Sofia um habeas corpus preventivo a fim de “evitar o irreparável prejuízo aos pacientes quanto ao constrangimento ilegal e eventual ameaça sofrida por seu direito de cultivar o vegetal Cannabis Sativa”.

Membro da APEPI – Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal, organização recém-chegada à Plataforma, Margarete falou à PBPD  sobre a decisão da Justiça.

 

PBPD: Como começou sua militância pela legalização da cannabis? E a decisão de plantar em casa, como aconteceu?

Margarete Brito: Em outubro de 2013 eu vi pelas redes sociais uma menina americana que estava fazendo uso [da cannabis] com resultados excelentes. Logo em seguida veio o caso da Anny, que ficou conhecido na mídia inteira e que culminou no [documentário] Ilegal. Com essa visibilidade no Brasil inteiro, tivemos muitas famílias, muitas mães de criança com epilepsia nos procurando. Para nós era como uma responsabilidade ajudar, já que a gente tinha essa expertise com relação ao acesso tanto dos [remédios] importados quanto dos artesanais. A militância, portanto, começou lá em 2013. Eu comecei dando um extrato importado para a Sophia e depois, através da rede secreta (uma rede colaborativa de cultivadores que plantam para uso recreativo para não alimentar o tráfico) fui aprendendo a plantar e a extrair [o óleo]. Foi essa rede que me forneceu muda, que me ensinou a fazer todo o processo de extração.

Em janeiro deste ano, minha autorização da ANVISA venceu e eu fiquei um tempo sem o importado. Eu já tinha experimentado o óleo artesanal com a Sophia no passado e tivemos excelentes resultados. Então eu voltei a dar o óleo artesanal e, mais uma vez, observei ótimos resultados. E foi aí que eu resolvi plantar. Eu pensei “se está dando bons resultados e as pessoas [da rede] estão correndo risco para me fornecer, então por que não plantar?”.

Foi no começo do ano em que comecei a plantar. Não sou só eu que planto, tem outras mães que fazem isso também. No Rio de Janeiro já foi feita uma oficina e mais pessoas estão plantando e conseguindo produzir seu próprio remédio.

 

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Margarete, Marcos e as duas filhas do casal em sua casa no Rio de Janeiro. Foto: Reprodução

 

PBPD: Os riscos de plantar te afetaram de alguma forma? Nesse sentido, como você viu a decisão da Justiça de conceder a vocês um habeas corpus preventivo? 

Margarete Brito: Desde o começo, eu sempre tive a opinião – talvez por ser advogada – de que o direito à saúde vem em primeiro lugar. Então eu nunca tive medo, na verdade. Eu sempre tive a certeza de que isso era um direito meu e que se fosse para dar qualidade de vida para a minha filha, eu ia plantar independentemente de correr algum risco de ser penalizada. Mas eu acredito que a partir do momento que você entra com uma ação e você tem as suas plantas (que são o remédio da Sophia) sob a proteção da Justiça, essa decisão também pode abrir portas para outras pessoas que já correm o risco [de serem denunciadas por tráfico]. Tem muita gente que não tem coragem sequer de requerer um direito que é muito legítimo. Essa decisão [do habeas corpus preventivo] é simbólica, é inédita e é significativa e eu espero que ajude outras pessoas a conseguirem [plantar] também.

O direito de quem planta para uso medicinal é tão legítimo como de quem planta para outros fins.

PBPD: É comum encontrar pessoas que aceitem a legalização do cultivo para uso medicinal, mas não para uso recreativo. Como você vê essa separação, se é que existe uma?

Margarete Brito: Não existe essa dicotomia. O direito de quem planta para uso medicinal é tão legítimo como de quem planta para outros fins. Eu acredito que muitos usuários recreativos fazem, na realidade, uso medicinal. Se a pessoa usa diariamente porque é ansiosa, por exemplo, e ela fuma para poder ficar mais calma, isso não tem receita médica, não tem característica de uso igual ao da Sophia, mas é um uso medicinal. E para aqueles que querem fumar e pronto, é um direito deles também. O direito de você usar qualquer droga é um problema meu, é um direito meu. Não cabe ao Estado dizer o que eu devo ou não fazer com o meu corpo.

PBPD: Como você vê o grupo chileno Mamá Cultiva? Acha que uma articulação entre familiares de pacientes de cannabis medicinal pode ser criada no Brasil?

Margarete Brito: Existe hoje no Brasil uma articulação nacional, em vários estados. Todas elas são articuladas entre si. Cada país tem o seu caminho, as suas diferenças de organização. [No Brasil,] são associações de uso medicinal e todas elas têm a mesma preocupação de saber plantar e de fazer seu próprio remédio para não precisar depender desses extratos importados, a preços proibitivos, deixando muitos pacientes que ficam fora desse tratamento. É muito importante esse movimento das associações , parecido com o da Mamá Cultiva. Ele tem as suas características aqui no Brasil, diferentes das características do Mamá Cultiva, mas acho que pode, sim, dizer que existe uma tendência disso ter uma marca, uma união mais forte talvez, quem sabe, a partir dessa decisão.