Decisão é um tímido avanço na discussão; é preciso avançar mais, em especial para garantir o direito de plantar para produzir medicamentos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o novo regulamento sobre produtos derivados da Cannabis spp. para fins medicinais no dia 3 de dezembro.
À época das consultas públicas da Anvisa sobre as resoluções 654/2019 e 655/2019, submetidas em agosto deste ano, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) se manifestou, apresentando argumentos embasados em evidências robustas e no acúmulo das organizações no tema, a respeito dos aperfeiçoamentos necessários para que o país caminhasse rumo a uma regulamentação justa e eficaz para promover com efetividade o direito fundamental à saúde.
Um dos principais pontos da discussão era a permissão para o cultivo no Brasil, rejeitado por 3 votos a 1. A possibilidade de apenas importar medicação e insumos ao invés de cultivar a planta dentro do território nacional encarece os produtos e pode fazer com que o acesso continue inviável para grande parte das pessoas que necessitam de tratamento.
O debate sobre o uso terapêutico da cannabis também ecoa no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, há uma comissão exclusiva à discussão sobre o Projeto de Lei 399/2015, que busca viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação. Dessa forma, a PBPD espera que a pauta continue avançando no Congresso, no sentido de garantir o direito ao cultivo, como já foi reconhecido em diversas decisões judiciais.
Outra limitação notável é a quantidade de THC que o novo regulamento permite para os medicamentos que serão disponibilizados em farmácias. Pacientes que necessitem de uma concentração maior que 0,2% de THC, como os que têm dor crônica e busquem tratar sintomas de tratamento de câncer, são excluídos da normativa, tendo sua saúde prejudicada. Isso porque deverão passar por todas as alternativas terapêuticas antes de poder solicitar medicamentos com maior teor de THC, por meio de um processo ainda mais burocrático que o atual.
A regulação da Agência também ignora um importante mecanismo que influencia o sistema endocanabinoide, o efeito comitiva. Cada canabinoide tem efeito potencializado quando combinado com as outras moléculas presentes na planta/extrato. Por isso, ao privilegiar formulações com algum canabinoide isolado ou purificado, pessoas que necessitem dos compostos associados deixarão de obter os efeitos terapêuticos desejados, o que seria contraproducente e colocaria preconceitos à frente das evidências farmacológicas e do cuidado com saúde.
Para a PBPD, nenhum dogma, crença ou interesse pode se sobrepor à obrigação do Estado brasileiro de garantir o direito à saúde a todas as pessoas, de modo universal e igualitário, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal. Dessa forma, consideramos que o Estado viola um dever jurídico ao criar barreiras para que a população tenha acesso a tratamentos com base em Cannabis spp.