Realização de audiência de custódia por videoconferência é votada nesta segunda-feira no CNJ

21 de junho, 2020 Plataforma PBPD Permalink


Para a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, violações de direitos serão ainda mais recorrentes caso Resolução seja aprovada sem vedar o uso nas audiências de custódia

 

A proposta de resolução sobre a realização de audiências, como as audiências de custódia, e outros atos por meio de videoconferência no contexto da pandemia de COVID-19 teve o julgamento agendado para a próxima segunda-feira, 22 de junho, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Na audiência de custódia, a pessoa presa deve ser apresentada ao juiz em até 24 horas. Nela, deve ser avaliada a legalidade da prisão em flagrante, a possibilidade da concessão de liberdade provisória, com o intuito de evitar prisões desnecessárias, e deve-se apurar se houve violência ou abuso policial na prisão.

É importante ressaltar que esse não é o momento de julgar o mérito do crime. Hoje, quase metade das pessoas que estão presas ainda não tiveram julgamento. Também quase metade das pessoas presas no Brasil estão presas acusadas de crimes sem violência, como os relacionados a drogas. 

O Brasil é o terceiro país no mundo que mais encarcera pessoas. Nesse momento de pandemia, também tem sido onde mais pessoas presas morrem por COVID-19. Segundo a Comissão Nacional de Justiça, houve crescimento de 800% de casos de COVID-19 entre maio e junho no sistema prisional do país. Já existem diversas orientações internacionais e nacionais, como a Recomendação 62 do CNJ, a respeito das medidas necessárias para conter o coronavírus em ambientes de privação de liberdade, considerando que seguir as indicações de prevenção ao coronavírus em tais espaços de superlotação e insalubridade é impossível. A principal delas é o desencarceramento. Para a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), principalmente no contexto da pandemia, a liberdade das pessoas deve ser vista como uma questão de saúde pública. No entanto, ao passo que as orientações são ignoradas pelo poder público, outros direitos têm sido colocados em risco, como a audiência de custódia.

O CNJ lançou o projeto “Audiência de Custódia” em 2015, após grande mobilização das instituições do sistema de justiça e da sociedade civil organizada. O principal objetivo foi garantir a rápida apresentação da pessoa presa a um juiz depois da prisão em flagrante, em conformidade às diretrizes da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Hoje, cinco anos depois, as audiências de custódia têm muito a melhorar, mas o encontro pessoal com o juiz se apresenta como um mecanismo extremamente importante para a garantia de direitos. 

O caso de Sara Rodrigues

Casos como o de Sara Rodrigues podem ser bem emblemáticos para que se considere a importância da realização presencial das Audiências de Custódia. Mãe de uma criança de cinco anos e gestante, moradora da periferia de Recife, trabalha com carteira assinada, é ativista dos direitos humanos, militante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA) e ré primária. Justamente na semana que precede o julgamento da Resolução sobre as audiências, foi presa em flagrante após policiais invadirem sua casa, sem permissão nem mandado judicial, e sob acusação de tráfico de drogas foi levada detida (uma prática comum e que tem como alvo pessoas negras e pobres – perfil majoritário das prisões). Em razão da pandemia, o procedimento que os atores do sistema de justiça responsáveis pelo caso de Sara denominaram nos autos como “audiência de custódia”, em verdade, não contou com sua apresentação, presencial ou virtual, à juíza responsável nem com a presença de suas advogadas, sendo a decisão de que seria mantida presa tomada após uma troca de e-mails.

Sara preenche todos os critérios estabelecidos por lei e pela jurisprudência para que não precise aguardar o julgamento na prisão. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), com base no Marco Legal da Primeira Infância, decidiu conceder prisão domiciliar a todas as detentas grávidas ou mães de crianças de até 12 anos. No mesmo ano, a Lei 13.769 adicionou o artigo 318-A ao Código de Processo Penal, determinando que a prisão preventiva de mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças deve ser substituída pela domiciliar quando não sejam acusadas de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, ou contra seus filhos ou dependentes.

A RENFA, inclusive, está patrocinando campanha em defesa da liberdade de Sara, mobilizando os dispositivos jurídicos necessários para que seja garantida a liberdade a que ela tem direito, e está colhendo assinaturas para um abaixo assinado. É possível assiná-lo aqui. 

Atualmente, existem mais de 42 mil mulheres presas no Brasil, de acordo com o Infopen. A prisão feminina é a que mais cresce nos últimos anos. São mulheres como Sara: negras, moradoras de regiões periféricas e mães, muitas vezes as principais responsáveis pelo sustento familiar. Assim, ao prender uma mulher, sua família inteira é impactada por essa prisão. 

Casos de prisões injustas como a de Sara serão ainda mais frequentes se a audiência de custódia por videoconferência for aprovada pelo CNJ. Com o agravante da pandemia, que já alcançou as prisões, o uso massivo da prisão provisória no país irá transformar a prisão em sentença de morte no Brasil.

Por tal motivo, a PBPD subscreveu, junto a mais de 150 instituições do sistema de justiça, organizações da sociedade civil, entidades e movimentos sociais, ofício encaminhado ao CNJ em 19 de junho. Pelo documento, além da retirada da proposta de resolução da pauta de julgamentos, também pede a expressa vedação ao uso de videoconferência nas audiências de custódia, a retomada gradual de sua realização presencial e a adoção obrigatória de medidas que permitam, a despeito da pandemia de COVID-19, a verificação de tortura ou de maus-tratos no momento da prisão.