PBPD ENTREVISTA: DENIS PETUCO

2 de junho, 2016 Comunicação PBPD PBPD Entrevista Permalink

Na quinta edição do PBPD Entrevista, conversamos com Denis Petuco, cientista social, mestre em Educação e doutorando em Ciências Sociais, atualmente atuando no Grupo de Trabalho sobre Crack, Álcool e outras drogas da Fundação Oswaldo Cruz, Denis trabalha há mais de dez anos com redução de danos e política de drogas.

“O transtorno mental que as drogas causam é a raiz do mal do tráfico e de todos os problemas sociais e de violência ligados a elas, e não o contrário”. A frase foi retirada de um artigo do recém-empossado ministro do Desenvolvimento Social, o médico gaúcho Osmar Terra, do PMDB. Descrever sua trajetória política mais recente passa, necessariamente, pela discussão sobre política de drogas: Terra ficou conhecido pela defesa do combate ao tráfico e é autor do projeto de lei que endurece a política de drogas brasileira, já aprovada na Câmara e que agora segue em tramitação no Senado.

 

Sua nomeação, no início de maio, foi recebida com preocupação por entidades e movimentos que lutam pela reforma da política de drogas. Contrárias a tornar a internação involuntária uma política pública – algo que já foi defendido por Osmar Terra – as organizações se articularam para impedir possíveis retrocessos do governo interino no tema, hipótese favorecida com a chegada de Terra ao ministério. Osmar Terra defende o aumento de pena para traficantes e apoia o financiamento público das comunidades terapêuticas. Embora a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (SENAD) esteja subordinada ao Ministério da Justiça, nos bastidores a informação é de que Osmar Terra tentaria trazer para sua pasta toda a política de financiamento de comunidades terapêuticas.

Confira abaixo a entrevista sobre o cenário atual da política de drogas no governo interino.

 

 

PBPD: Quais os riscos que o atual ministro traz à construção e sustentação de políticas públicas intersetoriais dirigidas ao cuidado de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas?

Denis Petuco: A construção de políticas públicas de cuidado dirigidas a usuários de álcool e outras drogas orientadas por princípios republicanos é algo muito recente na história brasileira. Por “princípios republicanos”, falo principalmente de uma articulação que leva em consideração os mecanismos democráticos de participação popular, como conferências de saúde e de assistência social, e também o respeito às minorias e aos direitos humanos. As políticas de cuidado a usuários de álcool e outras drogas só começaram a ser construídas desta maneira muito recentemente – e aí convém destacar o importante trabalho construído nestes dois últimos anos de gestão da SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), com especial atenção ao Projeto Redes, que rompe com a lógica de repasse direto para determinadas instituições, atropelando os mecanismos de financiamento do SUS e do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Com o Projeto Redes, a SENAD assume, pela primeira vez, seu caráter de secretaria estratégica, que não deve financiar ações, mas fortalecer as redes locais e intersetoriais.

Com sua defesa de fortalecimento dos repasses diretos às comunidades terapêuticas – algo que jamais chegou a desaparecer do cotidiano da SENAD, nem mesmo nestes últimos anos –, Osmar Terra anuncia o desmanche desta importante e complexa tarefa de alinhar as políticas de cuidado dirigidas a usuários de álcool e outras drogas aos referidos princípios republicanos. Recuamos, portanto, no fortalecimento da Democracia e do Estado de Direito no que tange à articulação drogas-saúde. Construir políticas públicas de cuidado intersetoriais passa necessariamente pelo fortalecimento da Democracia, e é justamente aí que Osmar Terra representa um risco. Ao defender o foco privilegiado nas comunidades terapêuticas, ele enfraquece o Estado, a Democracia e as políticas públicas. Ao privilegiar tais instituições, que operam de modo isolado e distante dos territórios, sem compromissos com os princípios do SUS e dos SUAS, sem subordinação às definições tomadas em conferências e sem compromisso com a defesa dos direitos das minorias, enfraquecem-se as redes intersetoriais de base territorial.

PBPD: Por que a frente antiproibicionista se opõe às comunidades terapêuticas (CT’s)?

Denis Petuco: Esta é uma questão complexa. Em primeiro lugar, seria necessário perguntar se somos mesmo contrários às CT’s. Acho que estas instituições podem ser dividas em dois grupos: de um lado, aquelas que violam direitos, que torturam, que mantêm cárceres privado, que violam correspondência; de outro, aquelas que se esforçam para manter alguns princípios, que não torturam, que mantém abertas suas portas para que as pessoas possam sair se assim o desejarem. Com as primeiras, não há o que discutir: trata-se de identificá-las, denunciá-las e fechá-las; com as segundas, no entanto, o debate é diferente, o que não significa dizer que sejam boas. Há linhas de pensamento em psicologia, por exemplo, com as quais eu discordo, que não me contemplam, mas nem por isto defendo que elas devem desaparecer. Uma CT que não tortura, que não maltrata, que não aprisiona os internos, ainda é um modelo de tratamento com o qual tenho profundas discordâncias, pela ausência de investimento na lógica territorial e intersetorial, pela não submissão aos princípios do SUS e do SUAS, pela abordagem moral e culpabilizante. Mas não acho que tais discordâncias sejam suficientes para defender o desaparecimento destas instituições. Não recomendaria tal abordagem a ninguém, mas acho que as pessoas devem ter o direito de valer-se deste modelo, caso o desejem. Discordo do financiamento público a estas instituições, justamente por não fazerem parte de uma política pública, por não se submeterem às normativas do Estado. Se forem coerentes, aliás, tais instituições nem mesmo vão querer alinhar-se a tais normativas, pois a base de sua ação está muito mais em princípios religiosos do que republicanos. Sendo assim, eu diria que somos contrários a esta abordagem, por estarem muito distantes dos princípios que defendemos; mas eu só defendo o fechamento daquelas que violam direitos fundamentais. Com isto, não se pode conviver.

PBPD: Quais as alternativas à internação compulsória?

Denis Petuco: A internação é uma estratégia de cuidado válida em casos específicos. Está muito bem colocado lá na lei da Reforma Psiquiátrica: sua utilização é importante nos casos em que a vida da própria pessoa ou de terceiros encontra-se em risco. Não obstante, a lei abre espaço para a internação compulsória, que é atribuição do Poder Judiciário. Isto precisa ser superado, pois é tão absurdo quanto um profissional de saúde definir o tipo e duração de uma pena dirigida a um criminoso. Seria absurdo que um médico ou psicólogo do SUS determinasse se a pena de um sujeito deve ser no sistema semiaberto ou fechado, definindo inclusive o tempo. De modo análogo, é absurdo que um operador do direito determine o tipo e a duração de um tratamento em saúde. A atuação destes operadores deve ser sempre no sentido da garantia de direitos. E o que é a garantia de direitos, neste caso? Com certeza não é algo simples como atender ao pedido de um pai ou de uma mãe por uma internação neste ou naquele lugar. Isto seria análogo a um juiz acatar o pedido de um pai para uma cirurgia em seu filho. Se a internação é uma estratégia de cuidado em saúde, ela deve ser definida por uma equipe de saúde do SUS. Assim, a garantia de direitos, neste caso, passaria por garantir acesso a uma equipe multidisciplinar, como as que temos nos CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), por exemplo. É esta equipe que deverá avaliar o caso e pensar a melhor estratégia de cuidado, no diálogo com o próprio usuário e seus familiares. Se a decisão for pela pertinência de uma internação, até mesmo involuntária, em casos excepcionais, tudo certo. Mas não se pode abrir mão deste olhar multiprofissional: é assim que se define a abordagem de cuidado para uma pessoa com demandas de saúde. Como de faz, aliás, com quaisquer outros problemas de saúde.