Na segunda edição do PBPD Entrevista, entrevistamos Dudu Ribeiro, coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas. Parceiro da Plataforma, Ribeiro também está na UNGASS 2016, em Nova Iorque, e afirma: “A perspectiva racial ainda é um tema apagado dentro das Nações Unidas”. Confira a entrevista:
PBPD: O que é a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas? Qual a importância do lançamento da INNPD em Salvador, no último dia 13?
DUDU RIBEIRO: A INNPD surge num contexto de construção de uma rede de organizações negras que debatam a política de drogas a partir da perspectiva racial. A atual política de guerra às drogas atinge sobretudo a população negra em pelo menos 3 aspectos, que são centrais na nossa abordagem: alta taxa de mortalidade, o superencarceramento e a ausência de políticas para a população em situação de rua.
A partir dessa proposta, a Iniciativa Negra também busca dialogar com novas expressões de organização da juventude negra e a ocupação de novos lugares políticos. O próprio lançamento da INNPD no dia 13 foi um exemplo disso: feito na rua e dentro de uma comunidade popular de Salvador, com a ajuda de parceiros e parceiras das comunidades e buscando reunir o máximo possível de organizações e representações negras. Foi um lançamento fundamental e representativo, mas, ao mesmo tempo, mostrou as contradições com as quais a INNPD tem que conviver: a poucos metros de onde nós estávamos fazendo nosso lançamento, houve o assassinato de um morador de rua. Nós prontamente nos apresentamos para os familiares e para os presentes como um parceiro para qualquer demanda e nosso advogado está trabalhando numa peça notícia-crime.
PBPD: Como se dá a relação entre o movimento antiproibicionista e o movimento negro? Qual a importância do recorte racial dentro desse debate?
DUDU RIBEIRO: O movimento antiproibicionista durante muito tempo não enfatizou a questão racial em suas elaborações, sobretudo pela origem de seu lugar de fala, que é majoritariamente branco, de classe média, universitário e afastado da maioria dos movimentos realmente populares. O papel da Iniciativa Negra, e de outros parceiros que têm levado essa construção adiante, foi justamente o de convencer o movimento antiproibicionista da centralidade da questão racial, que é um processo ainda em construção. Sem a questão racial, a análise da política de drogas no Brasil fica incompleta, já que os maiores atingidos e atingidas pela atual política de guerra – seja no encarceramento, nos números de homicídio ou na população de rua – é a população negra.
PBPD: O recorte racial se dá dentro de espaços como a UNGASS? Como abordar essa discussão em fóruns como esse?
DUDU RIBEIRO: Nossa primeira participação na UNGASS, construída com outros parceiros junto ao governo brasileiro, tem grandes chances de ter um bom resultado, já que a mídia repercute que o Brasil trará a perspectiva racial como tema permanente. Essa narrativa foi construída conjuntamente com diversas organizações, conselhos de juventude e o governo brasileiro para trazer o recorte racial dentro da perspectiva das drogas. No entanto, segundo o que nós observamos na última Comissão de Narcóticos (CND) [ocorrida no mês de março, em Viena] é que a perspectiva racial ainda é um tema apagado dentro das Nações Unidas. Mas em um dos side events, nós apresentamos uma mesa chamada “Enfrentando o Racismo na Política de Drogas: a Cor da letalidade, do encarceramento e do abuso de drogas”, uma atividade histórica segundo o próprio embaixador brasileiro em Viena [Evandro Didonet], que afirmou que pela primeira vez o Brasil trazia para um espaço da ONU a discussão da política de drogas vinculada à questão racial. Dependendo da posição que o Brasil apresente nesta semana, essa edição da UNGASS também terá condição de ser histórica, onde essa narrativa construída por nós pode ter resultado.
PBPD: Quais as expectativas em relação à UNGASS? Quais os avanços obtidos e quais os gargalos?
DUDU RIBEIRO: A possibilidade de o governo brasileiro apresentar o tema racial como uma proposta permanente de discussão dentro da ONU na política de drogas já nos garante uma nova condição importante. Mas ao mesmo tempo, nós não podemos ser ingênuos de achar que essa reunião tem grandes motivações ou condições de superar a perspectiva de guerra às drogas, levada pela maioria dos países. É verdade que nós já temos, desde as últimas reuniões da CND, intervenções de países que vêm pautando a repressão a partir do olhar da prevenção e há possibilidade de termos novas abordagens acerca da política de drogas. Mas ao mesmo tempo, ainda observamos que países importantes e com grande influência dentro das reuniões, tanto na CND quanto na Assembleia Geral da ONU, não têm revisto suas posições e continuam reafirmando o sentido de guerra.