A Plataforma Brasileira de Política de Drogas lança mais um projeto de comunicação, o PBPD Entrevista. A partir de agora, cada newsletter trará uma entrevista com uma das entidades que compõem a Plataforma.
O Growroom, liderado pelo designer carioca William Lantelme, estreou a seção.
Confira abaixo a entrevista e acesse o site: https://www.growroom.net/board/
PBPD: Como e quando surgiu a ideia de criar o Growroom?
William Lantelme: O Growroom surgiu como um projeto pessoal. Sou designer gráfico e quando morava na Alemanha, fazia uns projetos para um escritório. Lá, constantemente me pediam para fazer muitas alterações nos projetos – e isso me chateava. Eu pensava ‘quero fazer uma coisa em que eu possa dirigir o projeto, fazer as coisas do meu jeito’. E aí eu decidi abrir um site sobre um tema que eu gostava: o cultivo de cannabis. Queria poder compartilhar e discutir com as pessoas sobre esse assunto. E aí eu criei em 2002 um fórum, que é o Growroom.
PBPD: Quem faz parte, de que forma trabalham, quais as pautas principais e como alguém interessado pode participar?
Lantelme: Qualquer pessoa pode fazer parte, contanto que seja maior de idade. É um espaço de convivência para o usuário de cannabis e tudo funciona de forma bastante colaborativa. Qualquer pessoa pode postar: basta se cadastrar, colocar seu e-mail e criar um apelido. As pessoas podem participar do fórum e discutir democraticamente sobre diversos assuntos relacionados à cannabis. O fórum, a princípio, surgiu para ser um espaço para discutir o cultivo de cannabis, que é uma forma das pessoas conseguirem acesso a uma erva sem precisar recorrer ao mercado ilegal. Mas à medida que o tempo foi passando, foram surgindo diversos assuntos relacionados à cannabis: o ativismo, por exemplo. Todo esse lado ativista surge quando cultivadores são presos, tem mobilização e tal. Tem também o lado da cannabis medicinal: as pessoas se organizam para cultivar e para ajudar a vida de pessoas, discutindo formas de cultivo e variedades que são boas para determinados tratamentos. Enfim, é um fórum de assuntos relacionados à cannabis e que qualquer pessoa pode participar.
PBPD: Qual a sensação de perceber mudanças na política global de drogas em outros países enquanto, no Brasil, ainda está sendo discutida a descriminalização da pose pra uso no STF?
Lantelme: Realmente, é bastante frustrante ver que nossa discussão está a um passo atrás. Mas eu acho que hoje as coisas estão acontecendo numa velocidade muito rápida, até porque o mundo está muito globalizado. E eu acho que se o STF está discutindo, ainda, a descriminalização, cabe a nós promover um debate sobre um passo adiante disso, que seria a regulamentação. O objetivo final dos antiproibicionistas é que se tenha um mercado regulamentado (a produção, o uso e a comercialização das substâncias). Cabe a nós puxar essa discussão, ainda mais que a América Latina tem um papel fundamental nessa discussão. Nós da América Latina somos os mais afetados pela guerra às drogas: somos nós que morremos, somos nós que pagamos realmente esse pato, para usar essa expressão bem atual. É a América Latina que, no final, está pagando por tudo isso. É muito importante que a gente tome a frente nesse debate, puxando principalmente para a regulamentação do mercado e dar esse passo a mais. Teria sido muito importante também que tivesse sido falado no STF sobre a questão do cultivo, mas infelizmente na sustentação isso não aconteceu. Mas depois o Growroom pode dar a sua colaboração. A gente busca sempre estar atrás daquilo que a gente quer para a termos um poder maior de barganha nessa disputa.
PBPD: Você é favorável à legalização e à regulamentação de todas as drogas hoje ilícitas ou apenas da maconha? Por quê?
Lantelme: Eu sou com certeza a favor da regulamentação de todas as drogas ilícitas, não apenas a maconha. Eu acho que realmente as outras drogas precisam ser regulamentadas tal como a maconha. Mas, por diversos motivos, é estrategicamente mais inteligente a gente começar com a maconha: ela é a droga ilícita mais usada no mundo, ela é uma droga segura, que nunca causou mortes, e que tem um poder de destruição nulo, podemos dizer. É muito importante usar a cannabis para mostrar para os proibicionistas que um modelo de mercado regulamentado funciona ou, se não funciona completamente, ele se mostra muito mais racional do que um mercado proibido. Eu sou a favor, mas falo com certeza da questão da cannabis porque eu entendo que é um assunto que ainda tem muita resistência e muito tabu para ser discutido, então é melhor introduzir esse assunto [da regulamentação] com a cannabis.
PBPD: Entre os modelos de regulação que se apresentam internacionalmente, qual você acha que seria mais apropriado às peculiaridades brasileiras?
Lantelme: Entre os modelos que existem hoje em curso, eu gosto bastante de parte do modelo do Uruguai e do modelo espanhol. No Uruguai eles têm as três possibilidades para as pessoas comprarem a cannabis: por meio do cultivo caseiro, por meio de clubes de associações civis e pela venda nas farmácias, que ainda não teve início. Nesse modelo dos clubes, eles conseguiram fazer com que se formasse um mercado legal de lojas que atende tanto aos clubes quanto aos cultivadores. Essas lojas, por sua vez, pagam impostos e as pessoas compram os insumos para poder fazer seus cultivos (tanto os clubes quanto as pessoas físicas compram esse material). Eles movimentam uma economia, pagam impostos que podem ser utilizados em educação, saúde, e, além disso, as pessoas conseguem a sua erva de uma forma que é completamente sem fins lucrativos: ou elas vão fazer isso na casa delas, plantando elas mesmas para elas próprias, ou as pessoas conseguem através dos clubes, que não têm fins lucrativos. Aquela grana que cada sócio paga a um clube para poder receber os 40 gramas mensais é para pagar os custos dos clubes. Eles usam esse dinheiro para pagar os fertilizantes, o aluguel do espaço, etc, então é uma forma de manter um mercado sem ser na lógica da exploração principalmente do ponto de vista comercial. Isso sem falar da questão da saúde e de segurança. Esse modelo do Uruguai funciona bem nesse sentido e eu acho que no Brasil seria uma forma bem legal de se começar [a regulamentar]. Não sei se no Brasil ia funcionar muito bem como o do Colorado, que tem várias empresas podendo vender [a erva]. Acho que aqui quem tivesse dinheiro, mais uma vez, ia poder montar suas cadeias de venda e produção e iam acabar monopolizando esse mercado. Esse modelo, na forma de clubes, é uma forma muito mais democrática e que pode gerar muito emprego para as pessoas que trabalham neles, como os cultivadores. E acho que isso é uma forma muito mais sustentável.
PBPD: Em abril de 2016, teremos a Reunião Especial da Assembleia Geral da ONU (UNGASS) para avaliar o atual modelo de controle das drogas. Qual a sua expectativa em relação à UNGASS?
Lantelme: Eu não sei se posso esperar muito da UNGASS. Não acredito que haverá, realmente, um acordo para uma legalização. Não parece ter abertura para esse mercado, mas eu acredito que esse acordo pode dar uma afrouxada [na atual política de drogas]. Os países vão ter uma autonomia maior sobre como lidar com a questão das drogas, então se a gente conseguir alguma coisa nesse sentido, já vai ser um avanço. Eu acredito que os avanços do antiproibicionismo vão acontecer quando os Estados Unidos derem esse passo. No final das contas, quando os EUA tomam uma decisão nesse sentido, é aí que as coisas mudam. Assim como ele teve grande influencia na questão do proibicionismo, eu acho que ele vai ter também grande influência no fim da proibição. Eu acredito muito mais em esperar as coisas caminharem nos Estados Unidos do que somente nessa reunião da ONU.