Brasília, 20 de outubro de 2023
Sabe-se que o avanço do uso terapêutico de maconha, luta iniciada e mantida
por pacientes e seus familiares, em nosso país, vem crescendo cada vez mais. O
aumento dos estudos de tratamentos, com resultados significativos de melhora no
quadro e na qualidade de vida dos pacientes, tem sido intensamente divulgado nos
mais diversos meios de comunicação, incluindo publicações científicas de reconhecida
importância. Dessa forma, a sociedade civil organizada, que atua junto á esse tema,
vem, por meio desta Carta de Princípios, expressar suas ideias e agendas para a
construção de políticas públicas sobre drogas, embasadas em uma perspectiva ético-
política de superação das iniquidades que estruturam nossa realidade latino
americana.
Nesse contexto, as ações estabelecidas pelo Conselho Nacional de Políticas
sobre Drogas (CONAD) devem considerar as populações mais atingidas por violências
e violações de direitos nesse longo período de perseguição e guerra às drogas,
fazendo-se urgente propostas de reparação histórica para estas, bem como a
interrupção imediata de políticas ostensivas e repressivas de segurança pública
nesses territórios afetados pela proibição.
Essas mudanças podem ser alcançadas por meio da reformulação das polícias
e do Sistema de Justiça que criminalizam as populações mais vulneráveis, além de
propostas formativas com foco na educação em direitos humanos, que qualifiquem as
abordagens por parte das polícias e sistema de justiça. Além disso, é indispensável
direcionar recursos para políticas de reparação histórica dessas populações, como por
exemplo pensar na destinação de royalties dos produtos à base de cannabis, como
um fundo destinado às comunidades afetadas pela política de guerra às drogas.
Outro ponto importante a destacar presente nas políticas sobre drogas, trata da
forma em que são atribuídos e classificados os conceitos de “uso recreativo” e “uso
terapêutico” da maconha, por suas inconsistências reificadoras das experiências de
uso e seus desdobramentos. Consideramos que o Estado deve orientar para práticas
menos nocivas de uso e acolher aqueles que precisem de suporte em detrimento da
repressão às pessoas que usam drogas. Nesse ponto, cabe ressaltar também a
importância em reconhecer os diversos usos da cannabis por seus saberes
tradicionais, ritualísticos e religiosos, com suas especificidades, bem como a
legitimidade do cultivo pessoal de cannabis para qualquer finalidade.
Quanto ao uso terapêutico, se faz de suma importância que o CONAD/SENAD/
MJ valorize e reconheça o trabalho das centenas de Associações existentes no Brasil
que possibilitam acesso ao tratamento com essa terapia, principalmente no
atendimento à população hipossuficiente, realizando um trabalho de atendimento
social e chegando onde as políticas públicas ainda não chegaram.
Sendo assim, reforçamos a potência e importância do controle e participação
social ativa na construção das políticas regulatórias a respeito da produção e uso da
maconha para uso terapêutico, destacando, mais uma vez, a relevância das
associações que produzem e distribuem o fitoterápico da maconha em território
nacional, no intuito de que essa possível regulamentação leve em conta as condições
e possibilidades dessas corajosas instituições.
Além disso, é indispensável a participação de representantes de moradores de
favelas e periferias na elaboração e acompanhamento da proposição de leis ou
resoluções que tratarem da reparação social e histórica. Bem como, faz-se urgente
ampliar a representação de organizações de pessoas usuárias de drogas no CONAD,
com previsão de um segmento temático para representação, na intenção de
acolhermos princípios da bioética e da redução de riscos e danos, mitigando os
avanços de práticas manicomiais de cerceamento da liberdade e imposição da
abstinência como única terapêutica possível para as consequências nocivas do uso de
drogas.
Para além da efetivação da dimensão ético-política do controle social amplo e
ativo na construção e avaliação de políticas públicas, chamamos a atenção para a
relevância do incremento e suporte de sua dimensão técnico-científica. Nesse sentido,
ressaltamos a importância da ampliação e financiamento público, por meio de editais,
em pesquisas interdisciplinares sobre os impactos biopsicossociais nas determinações
do processo saúde-doença daqueles que fazem o uso terapêutico da maconha, com
destaque para o fitoterápico produzido por associações nacionais.
No âmbito das universidades públicas, pautamos a importância da inclusão na
estrutura curricular, de seus projetos político-pedagógicos, de disciplinas que
abarquem a temática da maconha, suas relações étnico-culturais de usos, inclusive
terapêutico, do cultivo, manejo e produção do fitoterápico, preparando nossos futuros
profissionais para lidar com inovações e desafios que surgem constantemente na
área.
É também imprescindível o estímulo à participação de universidades e centros
de pesquisa públicas, no auxílio e orientação da produção, padronização, análise de
composição, armazenagem e segurança, relacionadas ao controle de qualidade, da
produção de instituições associativas, em conformidade às possibilidades materiais e
necessidades destas.
Outro ponto a se destacar é a relevância de pesquisas em políticas públicas,
junto e sobre as diversas associações nacionais, que se dedicam à temática da
maconha, com destaque para a Federação das Associações de Cannabis Terapêutica
– FACT e União Nacional das Associações de Cannabis Medicinal – UNACAM,
enquanto importantes entidades, na construção e mapeamento de dados.
Chamamos a atenção para as políticas locais, implementadas em nosso
Sistema Único de Saúde – SUS, cuja iniciativa de fornecimento gratuito da cannabis e
seus derivados vem sendo fomentada em diversos municípios e estados. Nesse
sentido, existem diversos projetos de lei, e leis já sancionadas, que buscam formas de
viabilizar o tratamento à base de cannabis de forma universal, gratuita e com
equidade. No entanto, em tais projetos, pouco se fala no fornecimento através de
produção nacional, ainda valorizando-se a aquisição de produtos importados.
Vale ressaltar que, a implementação do fornecimento de maconha no SUS ,
requer um cuidadoso planejamento e regulamentação, para garantir acesso eficaz e
responsável. Ainda é essencial que esta regulação contemple o cultivo individual,
associativo e cooperativo, que favoreça arranjos produtivos locais, inclusive a
agricultura orgânica familiar, e que esse cultivo seja ecologicamente integrado,
preservando os diversos biomas brasileiros, evitando possíveis poluentes e
contaminantes.
Destacamos a importância da escuta de profissionais capacitados, nos
espaços de formulação e tomada de decisão pública, a necessidade de capacitar mais
pessoas para estes trabalhos diante do avanço das políticas, portarias e resoluções. E
a urgência da normatização de modelos sustentáveis e alcançáveis de padronização
do trabalho associativo, hoje ainda heterogêneo, criminalizado e judicializado.
A revisão da legislação vigente se fez necessária e urgente, na intenção de
melhor se adequar às demandas contemporâneas. É inegável que a modernização
das normas relacionadas à Cannabis sativa e seus derivados é um desafio inadiável e
oportuno para o momento em que vivemos. Reivindicamos a retirada da Cannabis
sativa e seus derivados da lista de substâncias sob controle especial, a inclusão da
planta na farmacopeia brasileira como uso tradicional, a incorporação do fitoterápico
no RENAME e sua inclusão na Farmácia Viva, bem como as considerações aprovadas
na 17ª Conferência Nacional de Saúde.
Estas são as nossas reivindicações, estamos trabalhando, organizados,
mesmo a despeito da criminalização, da vulnerabilidade e da violência cotidiana. Hoje
as associações cumprem um papel fundamental, que deveria ser no mínimo
reconhecido e amparado pelo Estado. São estas as sugestões e diretrizes das
associações canábicas para fins terapêuticos do Brasil para uma política de drogas
mais justa, humana e segura. O fato social está posto. Não aceitaremos
desconsideração neste sentido. Reivindicamos que essa carta tenha como finalidade a
inclusão de nossas pautas nas discussões desta Secretaria e deste Conselho.
Assinam esta carta:
ABGLT- Associação Brasileira de Lesbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais
e Intersex
ABH – Associação Brasil Huntington
ABRACE
AbraRio – Associação brasileira de acesso do Rio de Janeiro
Abraticão
ACAFLOR, Associação Canábica Florescer
Accura – Associacao de Pesquisa e Apoio a Cannabis Cura
Acolham
ACOLHAM_ Associação Comunitárias Liamba Agroecológica da Mata
ACUCASP _ Associação Cultural Canabica de SP
Apepi – Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis
APRACAM – Associação Paranaense de Apoio à Cannabis Medicinal
ASPAMPAS -MT
Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal
Associação cannabica pela vida óleo por nós
Associação Cannabis Medical Evolution
Associação Cultiva Brasil
Associação de acesso a canabis terapêutica Abraflor
Associação de Cannabis da Bahia, Associação Mundo Verde, Instituto de Ciencias
Canabicas
Associação de pacientes, profissionais, prescritores, pesquisadores e apoiadores de
Cânabis Medicinal e + AP³ACAM+
Associação Desinterna pela Vida e Liberdade da Juventude
Associação Divina Flor
Associação e organização social de apoio à cultura de Itupeva
Associação Flor da vida
Associação Humanitária Canabica do Brasil -AHC
Associação Mamaflor Ação Terapêutica
Associação Medicinal de Macaé
Associação Medicinal do Ceará – AMECE
Associação Regional de Terapia Canábica – Artcanab
Associação Sonho Verde Brasil. ASVB
Associação Terapêutica Soucannabis
Associação Tijucanna Cannabis Terapêutica
CANNAB – Associação Para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no
Brasil
CannaSapiens
Cão abençoado
Cascannabis, Associação Cascavelense de Cannabis Medicinal.
Coletivo Cannabis Medicinal Volta Redonda – Volta Cannabis
Coletivo Mente Sativa
Comunicannabis
Cultive – Associação de Canabis e Saude
Escola Livre de Redução de Danos
Federação de Associações de Cannabis Terapêutica FACT
Fundação Terra Mirim – Centro de Luz
Grupo de apoio familiar a pacientes de Cannabis Medicinal de Nova Friburgo
Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas – INNPD
Instituto Agroecológico de Fitoterapia BIOSER
Instituto Cura do beija flor
Instituto Gabriel
Instituto viver Ítalo
Khalifa Grow
LEIPSI – Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – UNICAMP
LIGA CANÁBICA – Liga Brasileira em Defesa da Cannabis Terapêutica
Macaé Medicinal
Mãesconhas do Brasil
MamedBr
Marcha da Maconha Fortaleza
Mr: Anônimo Inc
Nucleo de Estudos Interdiciplina em Cannabis (NEICANN Unesp Botucatu); Marcha
da maconha de Botucatu e Articulação Nacional da Marcha da Mconha
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – NEIP
OSACI – Organização Socail de Apoio à Cultura de Itupeva
Plataforma Brasileira de Política de Drogas
PsicoCannabis
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas – RENFA
REDUC – Rede Brasielira de Redução de Danos e Direitos Humanos
Santa Cannabis
Santa Guia
Shopping 420
SOBECA Sociedade Brasileira de Enfermagem Canábica
Sociedade Brasileira de Enfermagem Canábica
Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa SBEC