Em paz, desarmaremos a guerra!

5 de junho, 2023 PLATAFORMA PBPD Permalink

Estamos em um momento histórico da política de drogas em nosso País: a retomada do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) e sua primeira eleição.

Criado em 2006, o CONAD é responsável por coordenar o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, atuando na formulação, avaliação e proposição de políticas nacionais sobre drogas. Esse conselho nunca teve uma eleição, e a nomeação das organizações que o compunham dependia de indicações, por isso estamos em um momento tão importante. Precisamos lembrar que o CONAD foi transformado, na gestão passada, em um grupo interministerial, retirando toda a participação da sociedade civil e aprovando medidas que aprofundaram a lógica proibicionista e o financiamento privado a entidades de exclusão e isolamento social.

A democracia é um exercício desafiador, mas fundamental para que possamos construir um modelo de política que:

– Seja antiproibicionista: reconhecendo a dignidade e valorizando a autonomia das pessoas envolvidas no ciclo de produção, distribuição e consumo de drogas, respeitando as diferentes formas e contextos de uso e apontando a relação direta de causa e efeito entre o proibicionismo das drogas e as políticas prisionais marcadas pelo encarceramento em massa.

– Seja antirracista: trabalhando pelo fim do genocídio da população – em especial da juventude – negra e periféria, desproporcionalmente afetada pelas atuais políticas de drogas, de segurança pública e do sistema de justiça criminal e promovendo medidas para reduzir o racismo estrutural e a desigualdade racial no país.

– Promova a cultura de paz e valorize a diversidade: em oposição às práticas de guerra adotadas pelo proibicionismo, atuando contra a lógica de criminalizar pobres e incluindo perspectivas antirracistas, feministas e LGBTQIAP+ para abolir os efeitos violentos e estigmatizantes das políticas de proibição das drogas.

– Priorize a reparação histórica e a redução de desigualdades: com políticas e programas voltados aos grupos sociais mais afetados pela proibição, em especial pessoas negras e moradores de favelas e periferias; acolhendo e incluindo no mercado de trabalho pessoas egressas do sistema prisional e anistiando pessoas criminalizadas pelo proibicionismo. Nesta busca por justiça social, a política de drogas que queremos tem as pessoas que usam drogas e que são afetadas pela proibição no centro do debate.

– Seja pautada na ética da Redução de Danos: reconhecendo a redução de danos como melhor prática multidisciplinar para lidar com usuários de drogas lícitas e ilícitas, incluindo população LGBTQIAP+ e trabalhadores sexuais. Entendendo que redução de danos envolve acesso à moradia, garantia de água potável, formação de cuidadores, agentes de saúde coletiva e mental e assistentes sociais, além da testagem de substâncias e ações de apoio aos familiares de pessoas que usam drogas. A valorização do trabalho dos redutores de danos é chave.

– Defenda o cuidado em liberdade: seguindo a lógica do cuidado em liberdade e da redução de danos, mantendo posição crítica ao modelo manicomial (leia-se comunidades terapêuticas, hospitais psiquiátricos e entidades asilares) e repudiando o uso higienista de internações compulsórias e involuntárias ao mesmo tempo que respeita provisões legais para abordagens terapêuticas pontuais.

Fortaleça o SUS e as redes públicas de saúde mental e assistência social: defesa e fortalecimento das Redes de Serviço de Saúde Mental, de acordo com a perspectiva da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial e em consonância com o Sistema de Proteção Social do país, com políticas integradas de seguridade que incluam educação, saúde, assistência social e previdência.

– Seja interseccional com participação social: indo além do envolvimento de diversos níveis e agências governamentais e legislativas, criando condições de engajamento da sociedade civil no desenvolvimento das políticas de drogas e iniciativas de reparação histórica, desenvolvimento social, urbano, econômico e cultural, especialmente nas favelas, periferias e comunidades mais atingidas pelo proibicionismo. Novas políticas de drogas se configuram como frentes progressistas e de resistência democrática e podem interligar redes relacionadas em nível nacional e latinoamericano.

– Seja baseada em evidências científicas e no respeito aos saberes tradicionais e populares: valorizando as diferentes formas de conhecimento e a diversidade cultural e regional do Brasil, produzindo ciência, ampliando o acesso à informação e publicações acadêmicas, coletando subsídios a partir da melhor evidência científica disponível e promovendo ampla ecologia de saberes relacionadas a drogas, incluindo tradições orais, indígenas, quilombolas e periféricas.

Gostamos da democracia! Veja como caminhamos até aqui:

Durante o último período, logo após a mudança de governo, a Secretariada Operativa da Plataforma Brasileira de Política de Drogas participou de discussões e grupos do governo de transição, sempre indicando que um novo decreto para o Conad era urgente e deveria ser uma das prioridades assumidas já nos primeiros 100 dias de governo, além de outras propostas, como pode ser conferido na agenda de 100 dias após aprovação da plenária nacional do campo político.

O primeiro objetivo foi conquistado, e no dia 6 de abril de 2023 foi publicado o edital que instituía o novo CONAD. Após o decreto, aguardamos o edital de convocação das eleições que foi publicado dia 15 de maio de 2023 e, a partir daí, fizemos várias reuniões a fim de dialogar sobre a importância de habilitarmos um grande número de entidades no processo e garantir ampla participação de organizações que atuam com ações que busquem uma reforma de Política de Drogas alinhadas aos nossos princípios que podem ser conferidos aqui, inclusive dialogando e auxiliando em dúvidas de entidades de nossa rede e de outras que no momento não estão dentro da rede PBPD, mas que são tão importantes quanto para essa luta. Afinal, tivemos apenas uma semana para chegar nesse valoroso momento que resultou na inscrição de 34 entidades do campo antiproibicionista habilitadas a participar do processo de eleição dos conselheiros a ocuparem as 10 cadeiras destinadas à sociedade civil.

Alcançamos, portanto, uma segunda conquista, que é um grande quórum formador do colégio eleitoral, o que demonstra um amplo desejo de participação social na construção de políticas públicas, fato fundamental diante do momento de reconstrução democrática que vivemos.

A partir do resultado do colégio eleitoral realizamos nova plenária ampliada, na qual diversas entidades manifestaram o desejo de se candidatarem a uma vaga do conselho, inclusive com manifestações de mais de 10 entidades, sendo que o conselho tem apenas 10 cadeiras para representação da sociedade civil.

Diante desse cenário, sugerimos que as entidades dialogassem no sentido de pensar composições a partir de afinidades temáticas e programáticas, para que progressivamente o consenso em torno de 10 entidades fosse se ajustando.

Mais uma vez nosso campo saiu vitorioso, pois, ao longo da semana, diversas entidades conversaram entre si e foram formando blocos de composição, envolvendo inclusive o gesto de retirada de candidaturas para acomodações de outras, maturação que exige TEMPO e DIÁLOGO, que muitas vezes não é possível de ser realizado em reuniões

online, sobretudo porque acordos e ajustes políticos exigem sobretudo CONFIANÇA POLÍTICA. Trata-se de um processo que, definitivamente, não se constrói em reuniões online superlotadas em que nem todos se conhecem e os tempos de fala são limitados. Métodos como esse, apesar de trazerem um verniz democrático, caso não sejam consensuais trazem fraturas irreversíveis que podem ser evitadas com mais tempo de diálogo e que garanta de fato escutas amplas, sobretudo porque nem todas as pessoas conseguem estar no mesmo horário ao mesmo tempo.

Diante disso, a ideia de realização de prévias em nosso campo não foi um consenso, além de gerar desconforto em diversas entidades que não pactuam com tal método. Entendendo a necessidade de avançar ainda mais na maturação de consensos reais, muitas entidades passaram o final de semana dialogando em seus eixos, em diversos grupos de WhatsApp, telefonemas e reuniões.

A PBPD além de manter a sua legítima candidatura, uma vez que conquistar uma cadeira no conselho significa levar a voz e pautas das diversas organizações filiadas a nossa rede, muitas das quais sequer conseguiram se habilitar para o processo, entendeu que nossa responsabilidade política era maior do que apenas garantir o número de votos em nossa candidatura: precisávamos garantir o máximo de diálogo possível para ajudar a construir um consenso que envolvesse uma composição de candidaturas que aproxime ao máximo a fotografia da diversidade regional, racial, de gênero e temáticas expressadas no atual colégio eleitoral.

É por meio dessa atuação conjunta que podemos fortalecer nosso movimento, ampliar nossa representatividade e avançar na promoção de políticas mais humanizadas e baseadas em evidências.

Estamos muito próximos de construir unidade na sociedade civil que atua pela reforma da política de drogas, além de, diante de uma oportunidade única de promover mudanças significativas a partir do funcionamento de fato do CONAD.

Convidamos cada um de vocês a se juntarem a nós nessa empreitada. Vamos unir nossas forças, nossas experiências e nossas vozes para construir um futuro livre de proibições injustas.

Teremos mais um encontro amanhã, para realização da votação, que pode representar mais uma vitória de nosso campo. No entanto, independentemente do resultado de amanhã, precisaremos seguir em bloco e em paz para desarmar a guerra contra a qual todos nós nos colocamos. Esperamos que, a partir de amanhã, o CONAD entre logo em funcionamento para que todas as entidades habilitadas, ainda que não sejam eleitas somem e contribua ao CONAD a partir de 4 mecanismos que vamos defender para funcionamento do Conselho:

1- A exemplo do Conselho Nacional de Direitos Humanos, propomos a criação de um órgão colegiado das entidades habilitadas junto ao Conad, com realização de 2 plenárias anuais para encaminhamentos de prioridades que o conselho deve ter;

2 – Vamos endossar a previsão do decreto do CONAD de que entidades que não são conselheiras sejam convidadas para os grupos de trabalhos temáticos;

3 – Estaremos sempre à disposição para que as entidades nos procurem a qualquer tempos para encaminhar pautas e casos para o Conselho;

4 – Vamos defender que as reuniões sejam abertas para o público em geral, garantindo o direito à voz e incentivando a transparência do funcionamento do Conselho. Deste modo, nesse bonde, na paz que defendemos para um mundo sem guerra convidamos a todas que ainda estão em dúvida sobre o processo buscarem diálogo com as entidades que nesse momento estão se alinhando para garantir o máximo de unidade possível.

Cola com noix.

Assinam esse manifesto:

1. ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersex
2. ABRAMD- Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas
3. ABORDA – Associação Brasileira de Redução de Danos
4. ABRASME – Associação Brasileira de Saúde Mental
5. APB – Associação Psicodélica do Brasil
6. Articulação Nacional de Marchas da Maconha
7. Associação Flor da Vida
8. CANNAB – Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil
9. CESEC – Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
10. Centro de Convivência É de Lei
11. Escola Livre de Redução de Danos
12. Fundo Positivo
13. INNPD – Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas
14. NEIP – Núcleo de Estudos sobre Psicoativos
15. PBPD – Plataforma Brasileira de Política de Drogas
16. REDUC – Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos
17. RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
18. Rede Reforma
19. SBEC – Associação Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa

 

BAIXAR PDF:  Carta aberta CONAD – 2023 PBPD